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Amor do Reino Unido


No calor da noite, ela olha para mim com os seus olhos redondos e meigos, ligeiramente encobertos pelo louro acinzentado dos seus cabelos, como se sorrisse para mim, como se pudesse sentir a mesma dor. Em silêncio, como se as palavras não fizessem qualquer diferença, encosta a cabeça no meu peito e o bater do coração ecoa para ela, ritmos de dor e paixão.
Abraço-a carinhosamente e sinto-a vibrar de felicidade por estar comigo, de novo, depois da quase morte nos ter retirado a presença assídua e conjunta.
Sinto que o meu amor por ela nos aproxima mais e mais a cada dia que passa e beijo-a repetidamente. Deixo-me envolver pelos seus beijos, sentindo a sua língua na minha boca, frenética e fogosa como o amor que nos une há vários anos. Se é verdade que nas noites frias ela procura o calor do meu corpo na cama, também nos Verões mais quentes parece só estar bem perto de mim, deitada no meu colo, olhando-me nos olhos com lágrimas de vento, voando pelos jardins da eternidade em busca do nosso lugar no futuro.


Talvez seja da ascendência inglesa que corre no seu sangue, mas o seu corpo é tão fino e esbelto, tao ágil e seco, consequência de uma alimentação saudável, mas muito reduzida. Se o facto de ser gulosa a poderia tornar menos leve, a sua actividade quase excessiva mantém aquele corpinho lindo e o meu espírito despreocupado. Quanto mais olho para ela, mais dificuldade tenho em manter os olhos secos, tal é a sua beleza, o seu encanto. E a dedicação e inteligência com que preenche os meus dias?
A sua entrega é total e provocaria um ofuscante sentimento de inveja e insegurança na geisha mais bem educada e preparada que conseguíssemos conceber.
E tudo isto evolui, ramificando-se por todos os meus sentidos mais recônditos, especialmente quando regresso do hospital, depois de alguns dias ausente e sem qualquer contacto com ela. Adoro-a e ela sabe isso. Choro de saudade e alegria cada vez que chego a casa e vejo a Yuki à minha espera no sofá, deitada e imóvel, como se nunca tivesse mexido um músculo durante a minha ausência. Ter uma Yorkshire Terrier à minha espera, feliz pelo meu regresso e quase não cabendo de emoção no seu encantador e frenético corpo minúsculo de pouco mais de um quilo de peso, é sem dúvida um espaço que não imagino suportar no dia em que eu ficar em casa e ela partir de vez.
É uma das muitas vidas que tenho e uma presença que nenhuma morte abandonará no Jardim dos Esquecidos

(Pintura a Cera sobre Bristol)


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